As encrencas do condomínio

*Por Maria Cristina Fernandes

"Não é uma questão constitucional, é sanitária".

"Trabalhei a vida inteira para comprar um apartamento. Ele que trabalhe para comprar o seu".

"Quem paga o condomínio sou eu. Ele vai descontar do salário dele para pagar?"

Essas mensagens foram enviadas para Marcio Rachkorsky que, há um mês, comentou, em sua coluna na 'Folha de S.Paulo' e na rádio CBN, sobre o uso, por zeladores e empregados domésticos das áreas comuns dos condomínios.

Advogado de condomínios há 20 anos, Rachkorsky conhece as convenções que restringem o uso de áreas comuns aos moradores. E argumentava que zeladores, seus familiares e empregados domésticos, quando moradores, poderiam usufruir dos mesmos direitos. As normas internas dos condomínios, cansou de explicar, têm valor desde que não confrontem a Constituição.

Visitantes não se encaixam nas convenções de condomínios mas não se veem crianças com a Constituição debaixo do braço para fazer valer o direito de levar primos e amigos à piscina.

Metade dos missivistas era de furiosos. A ira era pródiga de argumentos. O que aconteceria com a piscina e a academia de ginástica se todos os empregados moradores resolvessem usá-los? Não se levantavam dúvidas sobre o tempo de espera da bicicleta ergométrica, frequentemente jogada às traças, se todos os condôminos resolvessem usá-la ao mesmo tempo.

Os condôminos incomodam os zeladores de madrugada com mais frequência do que estes requisitam o salão de festas para o aniversário de seu filho. E não há sinais de que esta equação vá mudar.

A gente diferenciada deve continuar longe dos salões dos condomínios da mesma maneira que os empregados continuam a evitar os elevadores sociais a despeito da plaquinha com a lei federal que, há quase 20 anos, lembra seus usuários de que seu uso é sujeito à multa por discriminação de raça, cor, origem, condição social, idade, deficiência ou doença não contagiosa.

Rachorsky frequenta centenas de condomínios e sente-se confortável para dizer que elevadores destinados a prestadores de serviço, como pintores ou encanadores, que portam equipamentos, continuam a ser usados preferencialmente pelas empregadas.

Nem a PEC das domésticas, que lhes estendeu, com um atraso secular, direitos dos demais trabalhadores, quebrou a barreira do elevador. Babás intimidam-se menos que cozinheiras, provavelmente porque se fazem acompanhar dos herdeiros.

Desejar mudança não é suficiente para renovar a política

Nos condomínios que frequenta, Rachorsky não vê diferenças de comportamento por faixa etária dos moradores. Casais mais jovens não são, necessariamente, mais tolerantes. A chamada nova classe média também não. Não se diferenciam comportamentos entre aqueles que pagam condomínio de R$ 1,5 mil ou R$ 200.

Na pesquisa qualitativa do advogado também não se diferenciam regiões do país. Além de São Paulo, onde está concentrada sua atuação, dá consultorias a condomínios de Belo Horizonte e Salvador. Reprisa-se de norte a sul, a legendária reunião de condomínio do filme "Som ao Redor", de Kléber Mendonça. Na cena, a sorte do porteiro, flagrado em cochilo pelo celular do filho adolescente de um condômino, é agravada pelo depoimento de moradora que recebe sua 'Veja' fora do plástico.

As brigas de condomínio estão cada vez mais judicializadas. Correspondem a um quinto das ações que tramitam no tribunal de pequenas causas de São Paulo. No Rio, a frequência de reuniões de condomínio não ultrapassa 15% de moradores, quórum que triplica se o tema em questão for, por exemplo, o sorteio de vagas de garagem.

Ninguém é obrigado a frequentar reuniões nem tampouco a votar suas deliberações, ao contrário do que acontece com as eleições. Mas reuniões de condomínio com quórum baixo e inflação de ações judiciais entre vizinhos não são um problema paroquial. São sintomas desta assembleia ampliada que se reúne no dia 5 de outubro em todo o país.

É grande a responsabilidade dos eleitos num país em que 70% dos votantes querem mudança. Ainda mais porque uma parcela ainda maior se recusa a participar das assembleias que mais diretamente afetam o cotidiano de sua vizinhança. Não há nada de novo nessa política.

O missivista que contesta Rachkorsky dizendo que o filho do zelador, para usar uma piscina, tem que esperar o pai comprar um apartamento provavelmente se encaixa naquela categoria de entrevistados nos quais o Datafolha se baseou para dizer que, de 2010 para 2014, cresceu o eleitorado de direita no país.

O pêndulo moveu-se do equilíbrio de quatro anos atrás. A afirmação "boa parte da pobreza está ligada à preguiça de pessoas que não querem trabalhar" alcançou a concordância de 37% dos brasileiros, cinco pontos percentuais a mais que em 2010.

Já a assertiva "boa parte da pobreza está ligada à falta de oportunidades iguais para que todos possam subir na vida", que arrebanhava 65% quatro anos atrás, hoje tem a concordância de 58% dos brasileiros.

O Datafolha detectou neste segmento de eleitores que relacionam pobreza com oportunidade e a desvinculam da preguiça, Dilma Rousseff com 41% dos votos, Marina Silva, com 33%, e Aécio Neves, com 8%.

Marina diz que a 'nova política' será feita pelos bons, estejam estes nos partidos nas universidades ou nas empresas. Sugere que o caráter e a boa vontade dos mediadores sobrepujam em importância os interesses.

Como ex-empregada doméstica de uma família que virou cabo eleitoral de sua candidatura em Rio Branco, não parece haver dúvidas de que Marina, como candidata a síndica, simpatiza com os interesses do zelador. Que uma parte expressiva dos condôminos perfilados a seu lado não compartilhe dos mesmos valores e, principalmente, dos mesmos interesses, é apenas uma parte das encrencas da candidata que se encaminha como finalista das assembleias de outubro.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

E-mail: mcristina.fernandes@valor.com.br

Jornal Valor Econômico - 19/09/2014

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