Beleza e glamour ajudam a vender

Trinta segundos de praia, churrasco, futebol, música animada, piadinhas, mulheres de biquíni e celebridades irradiantes. Depois de tantos estímulos, a propaganda termina com a frase “beba com moderação” lida às pressas. “Não convence ninguém. Até quem não bebe se empolga”, defende a psiquiatra Carolina Hanna, pesquisadora do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (Grea) e do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa).

No Brasil, o mercado publicitário da indústria do álcool movimenta mais de R$ 1 bilhão por ano. A conta é turbinada pelos patrocínios de grandes eventos esportivos e do carnaval, a maior festa popular do país. Com verba garantida e sob o comando de equipes premiadas, as propagandas de cerveja reinam. “Não dá para fechar os olhos para essa situação. É a publicidade que tem ajudado a manter a cerveja presente na vida dos brasileiros”, diz a diretora de Vigilância e Promoção da Saúde do Ministério da Saúde, Deborah Malta. “É preciso, urgentemente, maior rigor na restrição de conteúdo, não apenas de horário de exibição”, emenda o psiquiatra Leonardo Moreira.

Tentativas

Apesar de diversas tentativas de mudanças na lei atual, a propaganda de bebidas de menor teor alcoólico — grupo que inclui as cervejas — segue gozando de liberdade para veicular na televisão, ao longo do dia, ao contrário dos comerciais de

bebidas como vodca e uísque, que têm espaço apenas tarde da noite. “Há uma resistência muito grande no Congresso Nacional. O lobby dos cervejeiros prevalece”, assinala o secretário adjunto da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) do Ministério da Justiça, Luiz Guilherme Mendes de Paiva.

Autoridades do governo já se mostraram empenhadas em estabelecer critérios mais rígidos na publicidade de bebidas, mas a boa intenção não avança. Somente no ano passado, o Congresso barrou por duas vezes propostas de alteração na legislação vigente. “O problema é que o próprio governo também é interessado na venda de bebidas alcoólicas. Em vez de proibir, é possível competir com essa propaganda, promovendo a conscientização sobre o alcoolismo”, sugere Carolina Hanna.

No restante do mundo, o debate sobre a publicidade de bebidas se mostra mais consolidado. Na Rússia, onde o álcool é um dos principais problemas sociais, a propaganda é proibida durante o dia, e os anúncios não podem, de forma alguma, associar bebida a êxito social, esportivo ou sexual. Nos Estados Unidos e no Canadá, também há restrições. “No Brasil, é diferente, porque o lobby é muito pesado. Se há um deputado que trabalha com prevenção ao alcoolismo, existem outras dezenas de parlamentares que tiveram as campanhas financiadas pela indústria das bebidas”, compara o titular da 7ª Promotoria de Justiça de Entorpecentes do Distrito Federal, José Theodoro de Carvalho.

Em países da Europa, além das preocupações com a publicidade, autoridades chegam a antecipar horários de jogos esportivos nos fins de semana, para tentar diminuir os impactos de eventuais ressacas na segunda-feira. Em cidades como Nova York, não se pode nem mesmo beber fora de lugares fechados. O diretor de comunicação da Ambev — que compõe o maior grupo cervejeiro do mundo —, Alexandre Loures, afirma existir pesquisas que mostram não haver relação entre a propaganda e o consumo de bebida. “A publicidade apenas faz com que as pessoas escolham a marca”, diz.

Para o psicólogo Kleuton Izidio há um engano quando se diz que a propaganda somente define a preferência por marca. Se essa fosse a lógica, a mensagem ‘beba com moderação’ deixaria de fazer sentido. O consumo é, sem dúvida, incentivado. A orientação, obrigatória em cada peça publicitária, é bastante tímida, se comparada com os motivos apresentados pela indústria para o consumo das bebidas, acrescenta o psicólogo. 

Fonte: CORREIO BRAZILIENSE (24/01/2015) - DIEGO AMORIM

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